Devaneios

Simone Biles e reflexões sobre nossa saúde mental

Eu amo a ginástica artística e ver todas as modalidades em um looping infinito é um dos meus passatempos favoritos. São vídeos e mais vídeos de sessões na trave, solo e com fita. E umas das ginastas que eu mais gosto atualmente é a Simone Biles.

Ela é fenomenal. Eu, que certamente não tenho equilíbrio pra ficar nem em pé em cima da trave, fico atônita com todos os movimentos que Biles faz com seu corpo, o equilíbrio, força e sua precisão de execução. Mas, sinceramente, o que ela mais me ensinou nesses anos nem foi sobre ginástica.

É comum vermos atletas sofrendo com a questão da saúde mental. Eles começam muito cedo, por muitas vezes precisam sair de suas cidades e largar família e amigos para treinar profissionalmente. É uma pressão enorme que você vive constantemente: você TEM QUE estar bem, seu corpo TEM QUE estar bem, você TEM QUE fazer seu melhor o tempo todo, estão investindo em você e você TEM QUE trazer bons resultados. Isso pode facilmente quebrar a mente de uma pessoa, principalmente no auge da responsabilidade: as Olimpíadas.

Em 2021, Simone Biles se afastou por conta da saúde mental nas Olimpíadas de Tóquio, e eu me lembro o frenesi que se seguiu a isso. Entretanto, depois de uma pausa de mais ou menos dois anos, ela voltou mais forte do que nunca e ainda exibiu recentemente suas fotos de casamento no Instagram. Eu fiquei muito feliz por ela ter tido a serenidade e maturidade de ter dado um passo tão difícil em um momento decisivo, mas ter conseguido se priorizar.

“Eu procurei terapia porque sabia que minha saúde mental é muito importante. Eu acho que cuidar de si é importante. Sentar e entender quem somos. Minha saúde mental vem antes para que eu possa estar na melhor versão de mim mesma.” Simone Biles

Essa declaração de Simone Biles para NRF 2023 Retail’s Big Show me fez pensar sobre algumas coisas:

1) A saúde mental precisa existir para que a gente consiga ser funcional

Ninguém executa tarefas com a mente bagunçada. Se a gente não tem saúde mental, nossa vida para. Muitas pessoas não entendem isso e vão forçando e forçando a mente até pifar. Pifar mesmo. Eu já passei por isso em alguns momentos da minha vida e foi um marco negativo na minha história. Aprendizado, claro, mas não quero nunca mais chegar naquele ponto. O ponto onde o nosso corpo apaga para nos forçar a parar. Isso foi o resultado de muito tempo passando dos limites e ignorando os sinais que meu corpo me dava.

Nós somos como um carro, precisamos de manutenção. Se a luz do motor acende, a gente precisa parar e verificar o óleo e colocar água no radiador (ainda se faz isso em carros hoje em dia? Eu via meu pai colocando água no radiador quando eu era criança hahaha).

2) Priorizar a si mesma não é egoísmo, é clareza do que é mais importante

Ninguém dá o que não tem. Essa é uma regra simples e básica. Se eu não tenho um lápis de cor, não posso dar ao amiguinho; se eu não tenho dinheiro, não posso dar ao meu filho. É claro que saúde mental não se dá, mas apoio, sim. Não posso dar apoio emocional a ninguém, ser rede de apoio a ninguém, se eu mesma não tenho saúde mental nem pra mim. Por isso, não é egoísmo nos priorizarmos. Eu primeiro preciso ter pra mim, até para ser capaz de ter pro outro.

E outra: você tem que se preocupar consigo mesma primeiro, porque os outros não estão priorizando você, estão priorizando a si próprios. Dominique Moceanu, que é também ginasta e teve uma fratura por estresse (leia de novo: FRATURA POR ESTRESSE) e caiu de cabeça na trave enquanto executava os movimentos nas Olimpíadas de 1996, declarou que:

“A decisão de Simone me fez pensar naquela época e em como não havia compaixão, preocupação, e não tinha absolutamente nenhuma voz. Eu não pude dizer que estava com dor até desmaiar. (…) Eu nunca pude dizer nada. Eu nem me importava com meu bem-estar, para ser honesta, porque ninguém se importou com isso nunca.” Dominique Moceanu

3) As pausas são essenciais

Sem brincadeira, eu já fiz terapia em muitos momentos da minha vida. Lembro-me que a primeira vez foi quando eu era adolescente e meus pais estavam se separando. E esse sempre foi um tema recorrente nas minhas sessões: a pausa.

Eu tenho uma dificuldade muito grande de parar e descansar. Eu tenho a impressão de que estou perdendo tempo, desperdiçando algo que não volta mais. Eu só realmente consegui entender a importância da pausa quando minha terapeuta fez uma analogia com a música:

“Já imaginou uma música sem as pausas? Só nota o tempo todo? TAN! TAN! TAN! Você ia gostar? A beleza da música não está muitas vezes na nota, mas no tamanho e frequência das pausas entre uma nota e outra, que vai formando o ritmo.”

Eu, que sou uma artista nata e que me alimento de música pra manter a sanidade mental, finalmente consegui entender. Mas entender ainda não foi o processo de implementar, que é um passo além. Confesso que ainda tenho dificuldades nisso algumas vezes, principalmente pela carga de responsabilidade que sinto nos meus ombros, mas já estabeleci algumas pequenas pausas para mim ao longo do ano, pois entendi que não consigo dar grandes pausas por conta da editora.

Melhor pequenas pausas e mais frequência do que tentar encaixar uma grande pausa e nunca conseguir.

4) A terapia é fundamental para o autoconhecimento

Se não fosse a terapia, muito provavelmente eu ainda estaria batendo cabeça, tentando entender quem eu sou, meus gatilhos, sem saber onde eu sou boa e onde eu sou ruim. E principalmente, ainda estaria sofrendo por não ser boa em tudo.

Entender essas coisas é libertador. Traz maturidade e plenitude pra nossa vida. Tá tudo bem eu ser péssima em qualquer esporte e não conseguir fazer muitas coisas que outras pessoas fazem com facilidade. Em contrapartida, eu tenho coisas boas em mim e faço com facilidade coisas que outras pessoas não conseguem.

Hoje, eu consigo saber quem eu sou, abraçar meu passado de erros tolos e entender o que vai me deixar em crise e evitar essas situações, mas só consigo fazer isso justamente por ter o autoconhecimento.

Sobre essa parte de abraçar o passado de erros tolos, isso sempre foi uma pedra no meu sapato. Mas hoje consigo entender que antes eu não tinha a maturidade e conhecimento que tenho hoje e não posso impor a mim mesma que eu deveria ter tido outra reação ou resolução, porque o tempo, o contexto e meu conhecimento eram diferentes. Isso me traz paz. Eu não posso mudar meu passado nem sofrer pelos erros que tive lá atrás. Hoje, inclusive, vou agir de maneira imatura em relação à Mariana do futuro. E essa é a beleza da vida. Ruim seria se eu visse minhas imaturidades de 20 anos atrás e falasse: “Eu agiria igualzinho hoje”. Isso significaria que eu não evoluí nada.

5) Buscar ajuda não é fraqueza, é o maior sinal de força e maturidade que uma pessoa pode ter

Eu sou uma defensora das terapias. Tenho contatos de psicólogos e psiquiatras presenciais e on-line, vários tipos de linha de atuação e sempre me valho desses contatos para indicar pra minha família e amigos. Eu faço isso porque ter buscado ajuda em um momento onde eu desejava morrer salvou a minha vida. Eu percebi que buscar ajuda e admitir que você não está bem pode ser a atitude mais corajosa que você pode ter na vida.

6) Falar sobre saúde mental é essencial para a desmistificação do tema

“Os atletas sentiam que falar sobre isso era uma fraqueza. Não se dizia que atleta poderia cometer suicídio, deprimir ou ter um ataque de pânico durante a competição. Hoje, se fala, e isso é muito válido, porque acontece e temos que ter formas de dar suporte.” Rebeca Andrade

“Terapia é coisa de maluco!” Quem nunca ouviu essa frase, não é? Quando eu escuto isso, eu logo rebato: “E tem alguém normal nesta vida?”.

A gente ainda vive em uma sociedade onde a saúde mental é um tabu, mesmo as pessoas tendo crise de pânico o tempo todo, mesmo a gente vendo as pessoas entrando de licença no trabalho por conta de saúde mental, mesmo a gente vendo nossas crianças sofrendo com isso como se fosse uma epidemia.

Na minha percepção, as coisas se agravaram muito depois da pandemia. Parece que abriu uma torneirinha que estava pingando, mas agora jooorra. As pessoas precisam conversar sobre terapia, fazer terapia, contar que fazem terapia em conversas informais, trocar número de terapeutas e dar dicas de tratamentos complementares. Enquanto a gente não conversar e praticar isso com naturalidade, como quem pergunta sobre a previsão do tempo, ainda seremos uma sociedade adoecida mentalmente.

Nisso está o mérito da Simone Biles. Como atleta, não só ela sofre e/ou sofreu com a saúde mental. Que eu me lembre aqui, rapidinho, a gente tem também recentemente a Naomi Osaka e a Rebeca Andrade; e de uma geração anterior, mas que eu sempre admirei, o Diego Hypólito.

Seja atleta ou não, nós temos nossos traumas, dificuldades, fraquezas e medos, e precisamos trabalhar isso internamente para termos uma passagem minimamente mais estável nesta vida. Além disso, ter saúde mental significa que a gente tem mais consciência do que pode ou não magoar/traumatizar as pessoas à nossa volta. Ou seja, ter saúde mental pode significar também criar uma nova geração mais resolvida e assim por diante. Cruzemos os dedos para que seja assim mesmo.

“Cada um de nós, como humanos, está passando por algo em algum nível. (…) Eu espero que as pessoas possam se identificar e entender que está tudo bem em não estar bem, e que é ok falar sobre isso. Há pessoas que podem ajudar, a geralmente existe luz no fim do túnel.” Naomi Osaka

Referências:

  • DEBORA THEOBALD, Debora. Simone Biles, Rebeca Andrade e a saúde mental no esporte. In: VALKIRIAS. 28 set. 2021. Disponível em: <https://valkirias.com.br/simone-biles-rebeca-andrade/>. Acesso em: 16 jun. 2024.
  • TERRA. Flávia Saraiva e Verônica Hipólito revelam que sofreram com crises de ansiedade e burnout. Disponível em: <https://www.terra.com.br/esportes/jogos-olimpicos/flavia-saraiva-e-veronica-hipolito-revelam-que-sofreram-com-crises-de-ansiedade-e-burnout,1f7460728c9adb31c19265a4ea32840ahuv6hbpp.html?utm_source=clipboard>. Acesso em: 16 jun. 2024.
  • VIDALINK. Simone Biles: O que podemos aprender sobre saúde mental? 9 out. 2023. Disponível em: <https://vidalink.com.br/blog/o-que-podemos-aprender-com-simone-biles-sobre-saude-mental/#:~:text=Eu%20procurei%20terapia%2C%20porque%20sabia,2023%20Retail’s%20Big%20Show%202023.>. Acesso em: 16 jun. 2024.

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